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Introdução
Parece-me que um terrível mal que, desde o Éden, assola o ser humano, e medra à vontade no meio cristão é a hipocrisia. Esse fenômeno perverso é tão sutil que, instalado na alma, torna-a insensível para com muitas de suas atitudes perniciosas no meio da sociedade. A hipocrisia é hipócrita para com aquele em quem ela se desenvolve, tal como uma doença maligna que só se descobre depois da metástase.
Porém, antes de ir adiante, convém-nos saber de modo mais claro a que sentido nos conduz a palavra hipocrisia.
Com base na definição oferecida pela Oxford Languages, usada pelo dicionário da língua portuguesa adotado pelo Google, hipocrisia é:
“característica do que é hipócrita, falsidade, dissimulação”. É, ainda, “ato o efeito de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade.”
Enfim, interessa-nos ter bem claro que o hipócrita age encobrindo de sua(s) vítima(s) a verdadeira intenção do seu coração. Incrível é não se perceber como a hipocrisia se instalou no coração humano, e tem-se mantido atuante nas atitudes de tantos que, sem reflexão alguma, declaram-se seguidores do evangelho de Cristo e estudiosos da Bíblia Sagrada. Não pretendo que o leitor tome as minhas palavras pelo viés da acusação; prefiro que as vejam como um farol que sinaliza o perigo ao navegante. Há muitas coisas que precisamos corrigir na nossa jornada; a questão da hipocrisia é uma delas.
1.
QUEM
É O PAI DA HIPOCRISIA
O Senhor Jesus teve sérias discussões com os fariseus incrédulos e, não raro, acusou-os de hipocrisia, pelo fato de eles encobrirem, sordidamente, os seus pecados com a capa da religião judaica. Numa dessas discussões Jesus deixou evidente quem é o autor da hipocrisia.
“Vós tendes por pai ao diabo e quereis satisfazer os desejos do vosso pai; ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.” (Jo 8.44).
A palavra hipocrisia é sinônima de mentira. Normalmente, chamamos de mentira a expressão oral ou escrita de algo que contraria – explicitamente - a expressão de uma verdade. A hipocrisia é mais hipócrita do que a mentira, porque, se a mentira é tácita, explícita, e de fácil captura, a hipocrisia evita ao máximo a clareza da verdade. Trata-se de um grave mal condutor de um caráter totalmente maléfico, dominado pelo diabo. A palavra hipocrisia tem origem no grego e significa, basicamente, “ator”, aquele que se transforma em personagem teatral. Todavia, a linguagem teatral está no campo da suprarrealidade.
Nesta abordagem, tem-se que o hipócrita falseia a própria realidade em que está inserido. Há muitas passagens bíblicas que condenam a prática desse comportamento; por isso, todo crente precisa, diariamente, livrar-se da insolente tentação, em todas as suas atitudes. Ninguém vive o evangelho de Cristo, sem vigilância aos ataques externos e internos; sabendo quão perigosos são os ataques internos, isto é, aqueles originados em nossa própria natureza. A nossa natureza humana é hipócrita e deve ser vencida, já que recebemos o poder de sermos feitos filhos de Deus.
“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome.” (Jo 1.12).
O apóstolo Paulo orienta, na Epístola aos Romanos: “Não te deixes vencer do mal; mas vence o mal com o bem” (Rm 12.21). Evidentemente essa orientação paulina está noutro contexto: o da não vingança; mas não custa aplicá-lo à prevenção contra o mau intento, nascido na hipocrisia, e à preservação da luz da verdade, ou seja, do bem.
2.
A
HIPOCRISIA ESTABELECE ALICERCES NA AREIA MOVEDIÇA
Geralmente a hipocrisia é um recurso que o homem utiliza para fingir concordância com a(s) sua(s) vítima(s). Há sem dúvida um mau interesse camuflado nessa prática. O hipócrita tanto pode manter uma paz aparente, segundo a sua conveniência, como pode gerar inúmeros atritos, que também lhe interessam. De uma forma ou de outra, fica estabelecida uma relação enganosa.
No Éden, a hipocrisia do diabo para com Eva aparentava a explicação de algo que ela não “teria entendido bem”.
“... É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?... Certamente não morrereis.” (Gn 3.1;4).
Com esse expediente, a serpente conseguiu o seu verdadeiro intento: a queda do homem no pecado. De lá, até nossos dias, quanto a serpente se reproduziu, infelicitando a humanidade! Se percorrermos as páginas da Bíblia Sagrada, passaremos pela fraqueza de Sansão diante da hipocrisia de Dalila, o que gerou a destruição dele (Jz 16); mas, prossigamos até Sambalate, Tobias e sua turma, que pretendiam destruir a obra de Neemias, fazendo a ele convites hipócritas de reunião para conversar. A lista é grande. O próprio Judas Iscariotes levou uma vida de discípulo hipócrita do Senhor Jesus, até que traiu o Mestre, porque deixou avolumar-se em seu coração a influência de Satanás.
Não há neste mundo um meio, sequer, em que a hipocrisia dispense espaço, devido à nossa frouxidão na vigilância. Os atos hipócritas vão desde os aparentemente inofensivos até os que geram os mais graves e destruidores efeitos.
Muitas pessoas (para não dizer nós) agem hipocritamente, quando fingem boa consideração por quem não lhes é simpático. A sociedade atual tornou-se adepta do “politicamente correto”, o que não deixa de ser um casulo para a hipocrisia. Como, porém, demonstrar sempre a veracidade das nossas intenções?
Antes de tudo, é necessária a compreensão de que não habita bem algum no espírito humano. Caso contrário, Deus não teria encerrado todos os homens sob a lei do pecado:
“Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus,...” (Rm 3.23).
Vejamos: o verbo que justifica o estado de pecado se marca no presente: “estão”. Isso é um lembrete para que o crente jamais se esqueça da condição da qual foi resgatado pela misericórdia divina:
“... sendo justificados gratuitamente por sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.” (Rm 3.24).
O homem só se inclina para o bem, para a verdade, para a lisura, quando acolhido à salvação por Cristo Jesus. A atuação do Espírito Santo é a única maneira de sermos preservados contra a hipocrisia e contra outros tantos males.
“Vigiai e orai para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.” (Mt 26.41).
Como já se viu, os relacionamentos hipócritas são construídos em areia movediça; no decorrer do tempo, apresentam o seu péssimo resultado. Um dos grandes exemplos que a História nos traz é a Pax Romana (a Paz de Roma).
O imperador Otávio Augusto, a fim de dar cabo às revoltas e insurreições nas províncias sob o controle de Roma, em 27 a.C., resolveu dar início a um período de “paz e concordância” com os povos conquistados, oferecendo-lhes inúmeros benefícios que perduraram até o ano 180 d.C. Essa prática garantiu a supremacia de Roma sobre aqueles povos. Todavia, o que Roma ofereceu como ato benevolente, por exemplo, a proteção contra invasões bárbaras, visava tão somente garantir-lhe o domínio absoluto. O relato histórico lembra-nos que esse processo hipócrita do Império Romano não garantiu a perpetuidade de suas intenções. A hipocrisia constrói relacionamentos sobre solo arenoso e movediço.
3.
COMO
COMBATER A HIPOCRISIA NO SEIO DAS IGREJAS?
Realmente não creio que haja um processo específico para se erradicar a hipocrisia no seio das igrejas; tendo em vista que também não há um processo para se erradicar, delas, o pecado, de modo geral. Jesus relatou a parábola do joio e do trigo na mesma plantação. Os empregados daquela fazenda ficaram admirados de que as sementes plantadas eram somente as de trigo. Como eles poderiam esperar a infestação de joio naquele trigal? Fora obra do inimigo, enquanto os homens não vigiaram.
Visto o mal, os ceifeiros propuseram arrancar o joio, mas o dono da fazenda não permitiu que eles fizessem isso: o prejuízo poderia ser maior.
“Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O Reino dos céus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo; mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio... Queres, pois, que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele...” (Mt 13.24-30).
À vista desta parábola de Jesus, é possível perceber que, muitas vezes, a pretensão de arrancar o mal pode provocar maior prejuízo do que deixá-lo ali. É melhor cuidar do trigo do que lutar contra o joio. O destino do joio está reservado: o fogo destruidor (v.30)
Todavia, a boa liderança não pode descuidar do trigo; isso significa dar alimento espiritual e conhecimento bíblico à igreja, despertando nela o discernimento das atitudes hipócritas, as quais são reconhecidas pelos frutos que produzem. Por outro lado, conduzir cada membro, de per si, individualmente, a que rejeite o desenvolvimento da hipocrisia no próprio coração.
“Andai em Espírito e não cumprireis a concupiscência da carne, porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei.” (Gl 5.16-18).
Conclusão
Já vimos que o ser humano, o homem natural, está encerrado sob o pecado; logo, é escravo de comportamentos hipócritas na sociedade em que vive. Entretanto, a geração dos salvos, ainda que esteja exposta à prática do pecado, deve vigiar, orar e combater a inclinação para as concupiscências da carne, por meio da santificação pessoal; e deve, também aprimorar-se no discernimento das atitudes hipócritas, que funcionam como joio na plantação de trigo; se pode ser prejudicial arrancá-las, não é prejudicial observá-las e cerceá-las com o bom ensino e a boa prática da Palavra de Deus.
“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós que, em outro tempo não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia; mas, agora, alcançastes misericórdia.” (1Pe 2.9).
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