AINDA SOBRE OS ALTARES

 

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Muitas igrejas e não poucos pregadores necessitam urgentemente de ensino sério quanto ao vocabulário peculiar ao “evangeliquês”, sobretudo no meio pentecostal e, por extensão no meio neopentecostal. É sabido que cada grupo social - e o meio religioso praticante é um grupo social – desenvolve um vocabulário próprio, reconhecido pelos iniciados; porém, quase sempre distante do domínio de outras parcelas da sociedade.

Especificamente entre essa parcela de cristãos espalha-se com facilidade um linguajar provindo de suas lideranças, que o empregam, quase sempre, com a intenção de impregnar nos liderados alguns conceitos (ou preconceitos) pseudoteológicos.

Para o êxito de intenções menos elogiáveis, boa parte das lideranças que se arrogam como evangélicas têm como líquido e certo que os fiéis não costumam contestar aquilo que se apregoa como prática endossada pelas Escrituras Sagradas. Entretanto, evitam esclarecer que a Bíblia se compõe de duas partes, ao mesmo tempo, tão complementares quanto distintas. Nela se encontram os livros alusivos ao Antigo Testamento, que vão de Gênesis até Malaquias. Os livros que se referem ao Novo Testamento vão do Evangelho Segundo Mateus até o Apocalipse.

Sem que eu pretenda fazer aqui uma exegese das Escrituras Sagradas, limito-me a verificar que em uma parte do linguajar cristão pentecostal e, em boa parte, do linguajar neopentecostal, há predomínio daquilo que é transmitido pelas pregações de seus líderes. Por que em boa parte do pentecostalismo? Porque o alicerce dos seus ensinamentos são os textos do Antigo Testamento. O Novo Testamento não traz textos que interessem tanto às lideranças neopentecostais.

Acontece que a convivência entre os cristãos é uma marca elogiável; há, de certo modo, um reconhecimento de fraternidade. Para comprovar isso, basta que se verifique a maneira como convivem crentes “evangélicos” das mais diversas confissões nos ambientes de trabalho. A gíria, o linguajar peculiar, se constrói nesses ambientes de fraternidade religiosa ou não.

Essas rápidas considerações fazem-nos meditar em um caso, dentre a grande variedade deles, que deixam a porta aberta para uma pesquisa séria. Trata-se da frequência com que pastores e liderados empregam a palavra altar no lugar da palavra púlpito ou tribuna eclesiástica.

A palavra altar tem origem no latim, altus: um lugar elevado em que eram oferecidos sacrifícios. Os altares são registrados em textos do Antigo Testamento. Os mais antigos eram construídos com pedras, fazendo uma elevação. O primeiro altar foi construído por Noé, ao sair da arca.

“E edificou Noé um altar ao Senhor, e tomou de todo animal limpo, e de toda ave limpa, e ofereceu holocaustos sobre o altar.” (Gn 8.20).

Não é impossível que Noé tivesse aprendido as ofertas nos altares com seus antepassados; mas a Bíblia não registra isso. O paganismo também usou altares para as suas celebrações mais horripilantes. Abraão, no decorrer de sua vida, edificou 4 altares: Gn 12.7; 12.8; 13.18; 22.9. Todo o sistema cultual no Antigo Testamento envolvia o altar. Desde o tabernáculo até o templo de Jerusalém o altar foi empregado nas celebrações hebraicas.

No serviço religioso hebraico havia dois ambientes sagrados: o primeiro ambiente era Santuário, no qual entravam os sacerdotes para a execução de suas tarefas sacerdotais em favor dos homens. O segundo ambiente era o Santo dos Santos, onde apenas o sumo sacerdote entrava uma vez por ano, para realizar a aspersão com sangue pelos pecados das pessoas. O lugar Santo dos Santos era inacessível às pessoas e separado pelo grosso véu que o isolava.

Quando Jesus expirou na cruz, no exato momento em que ele entregou o espírito, dizendo: “Está consumado”, o véu do templo abriu-se de alto a baixo. (Mt 27.5-51).

Jesus eliminou a necessidade de um altar de sacrifícios! Ele assumiu todo o sacrifício necessário. O derramamento do seu precioso sangue é eterno e suficientemente perdoador dos pecados e remidor de todo aquele que crê. Já não há altares feitos por mãos humanas.

Por que, então, em muitos púlpitos a palavra altar é tão usada? No início deste texto ficou claro que a linguagem particular de um grupo social desenvolve-se pela convivência dos indivíduos; assim, num primeiro plano, e menos prejudicial, o emprego constante da palavra altar torna-se inadequadamente um hábito. Mas, por outro lado, e bem prejudicial, é que muitos líderes e pregadores empregam essa palavra, a fim de dar a ela uma conotação espiritualizada, praticamente com o mesmo sentido que lhe era dado no Antigo Testamento. Assim, os liderados assumem um respeito religioso mais acentuado, como se os habilitados ao “altar” fossem pessoas mais santas, os “homens de Deus”, especialmente “ungidos”, no sentido de “intocáveis” em quaisquer circunstâncias. Tudo isso não passa de uma perversa malandragem, usada por corruptores das mentes menos esclarecidas. A Igreja de nossa era não constrói altares, usa púlpitos ou tribunas eclesiásticas, de onde alimentam almas com a verdadeira palavra de Deus, sem expedientes malévolos ou interesseiros. Os bons líderes eclesiásticos precisam lutar contra a disseminação de um vocabulário eclesiástico pernicioso à boa compreensão da maravilhosa doutrina bíblica e neotestamentária. Por isso, o apóstolo Paulo informa que o Senhor deu à Igreja, pastores, mestres, doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos; nunca o embotamento de suas capacidades intelectuais e espirituais.

 

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